I
Quando em outubro passado congreguei mais 42 colegas eurodeputados para, em carta dirigida à Presidente da Comissão Europeia, a questionar acerca dos riscos e ameaças que espreitavam o pós-2027 em matéria de orçamento europeu, não faltou quem minimizasse e procurasse até passar a ideia contrária. Os receios, argumentavam então, era infundados e até havia "garantias" de que o futuro quadro financeiro iria salvaguardar não só a Política de Coesão, como as especificidades das Regiões Ultraperiféricas. Pois bem, chegamos, entretanto, a 16 de julho de 2025. E foi justamente este dia, que assinalou um ano sobre a tomada de posse do Parlamento Europeu, o escolhido por Ursula Van der Leyen para confirmar e até engrossar os receios suscitados 9 meses antes.
A proposta da Comissão Europeia para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (2028-2034), mais do que refletir a posição política da Presidente, traduz, na prática, uma perigosa inversão. Para além de cortes camuflados e de uma suposta centralização mascarada de eficiência, há um traço firme: o fim de políticas comuns através de uma perigosa tendência para recentralizar políticas que deveriam ser partilhadas e, consequentemente, pensadas com as pessoas e os territórios.
II
A Comissão tenta fazer parecer que aumenta o orçamento europeu. Mas, na verdade, corta e concentra recursos, colocando a tónica na defesa e no armamento - muitas vezes por pressões externas - em detrimento das áreas que fazem a diferença real na vida das pessoas: coesão, agricultura, pescas, saúde, educação. Fazer mais com menos nunca foi solução. Pelo contrário, é um caminho certo para fazer menos por todos.
III
Os Açores e as restantes Regiões Ultraperiféricas (RUP) podem vir a ser particularmente penalizados. Programas como o POSEI, fundamentais para a viabilidade da nossa agricultura, correm o risco de estagnação ou até extinção. E isto é inaceitável. Neste caso, o que está em causa não é apenas uma linha orçamental - é a justiça territorial e o respeito pelos compromissos europeus com as regiões mais afastadas.
IV
Preocupante também é a proposta de recentralizar a gestão dos Fundos de Coesão, excluindo regiões e municípios dos processos de decisão. Esta centralização, feita em nome de uma alegada "eficiência", cria uma Europa mais distante, mais burocrática, menos democrática. Precisamos de uma governação partilhada com os territórios no centro da decisão.
V
Na agricultura, para além de um corte brutal, antevê-se uma verdadeira diluição da Política Agrícola Comum. A PAC pode deixar de ser verdadeiramente comum, passando a depender das decisões nacionais. Isto representaria um retrocesso histórico, com impacto direto no rendimento dos agricultores, nos preços para os consumidores e na sustentabilidade da nossa produção. Defendemos, por isso, uma PAC forte, solidária e ajustada às realidades das regiões mais vulneráveis.
VI
No setor das pescas, o cenário é ainda pior com um corte de verbas de tal modo gravoso que não se percebe sequer como pretende a Comissão materializar as metas e as medidas ambiciosas, entretanto anunciadas, de entre as quais o Pacto Europeu para os Oceanos, a transição energética ou a renovação geracional, apenas para citar algumas. A Comissão parece querer passar a responsabilidade para os Estados-Membros, abandonando uma política comum estruturada. Com os nossos mares em crise e os pescadores a viverem cada vez com mais dificuldades, esta desresponsabilização é inaceitável.
VII
A proposta da Comissão Europeia é um teste à nossa capacidade de resposta coletiva. Se não levantarmos a voz agora, corremos o risco de assistir, em silêncio, à destruição de décadas de conquistas.
VIII
Para memória futura, e porque, como de costume, não faltará a típica tentativa de reescrever a história. Esta proposta que, a ser aprovada, representaria um colossal retrocesso, surge num contexto político particularmente único: com a esmagadora maioria da Comissão Europeia, do Conselho Europeu e, ainda, com o Governo da República e os dois Governos Regionais todos da família política do PSD.