Opinião

Ǫuantos pastéis temos (ainda) de engolir em Belém? (parte I)

A corrida (mal) começou — e já nos querem vender o candidato "inevitável".

As eleições presidenciais ainda estão a alguma distância, mas os motores já aqueceram. E, como de costume, surgem os “candidatos do sistema”, aqueles que nos querem impingir como se fossem escolhas naturais, inevitáveis, desejadas por todos. Um deles é Melo — o “militar até ontem”, promovido a salvador da Pátria sem sequer se dar ao trabalho de apresentar ideias novas.

Sim, Melo. O rosto que vimos na pandemia, que gerou simpatia, mas que, convenhamos, não é nem de perto a “última bolacha do pacote”.

A sua ascensão não é espontânea. É fabricada. Uma operação meticulosa da clique lisboeta — aquela que habita os becos escuros (ou os corredores obscuros) do Terreiro do Paço — que vê em Melo a marioneta perfeita. Um homem de farda, agora civil de ocasião, vestido para parecer competente, treinado para não levantar ondas. Um candidato que parece ser mais do mesmo — mas com farda.

 

 

De farda à faixa: a perigosa ilusão do herói político

Desconfio, e muito, dos militares que pousam a farda e mal têm tempo de tirar as divisas antes de se lançarem no palco político. A farda não é um trampolim para o poder civil — ou, pelo menos, não deveria ser.

Melo mostra precisamente isso: um salto apressado da hierarquia militar para os corredores do poder.

E o que trouxe com ele? Uma narrativa previsível, vazia, que mistura chavões patrióticos com um saudosismo mal disfarçado. Pior, veio demonstrar que a visão estratégica nas academias militares parou…na última década do século XX.

 

 

Nos Açores, confirmou-se o óbvio: o discurso é curto e a visão, nula

Já se adivinhava a pobreza das ideias nas primeiras intervenções. Mas a visita aos Açores dissipou quaisquer dúvidas: Melo não tem substância.

Disse o óbvio sobre a “centralidade atlântica”, mostrou total desconhecimento sobre o regime autonómico e defendeu, com uma serenidade inquietante, a manutenção do representante da República nos Açores — como se o século XXI ainda fosse um boato.

 

Não há rasgo, não há inovação, não há coragem política. Há apenas o conforto de quem repete o guião que lhe deram.

 

 

O perigo de normalizar o regresso dos militares à política

Mais grave do que a sua previsibilidade é o que representa: a possibilidade de levar à Presidência da República um revanchismo militar encapotado.

A história mostra-nos, com clareza, o que acontece quando os militares ocupam, sem contestação, o espaço da política. E não, não é bonito.

Apoiar Melo é contribuir para essa deriva. É aceitar que a mais alta magistratura da nação seja ocupada por alguém moldado para obedecer, vai-se lá saber a quem, e não para questionar.

É aceitar a militarização do símbolo maior da democracia.

 

 

Não, obrigado. Já engolimos pastéis a mais.

O país precisa de debate, visão estratégica, e coragem para romper com o passado.

O que menos precisamos é de candidatos fabricados, impostos, e embalados com uma bandeira e um sorriso (falso).

O próximo Presidente da República não pode ser uma imposição silenciosa. Tem de ser uma escolha consciente. E Melo, por tudo o que representa (ou não representa), não é essa escolha.