Opinião

Entende agora porquê, caríssimo Senhor Deputado?

A minha avó Amarilde. O meu avô José Maria. E aquele seu muito acanhadinho quintal, que desde sempre existiu nas traseiras da casa, toda ela também condizente com os mais longínquos antípodas de uma qualquer exuberante extravagância, ambos nunca sentidos de outro modo, quintalinho e casa, que não fosse o de se tratarem do palacete e respetivo jardim de Majorelle de Yves Saint Laurent. Tinha rosas, e muitas, o quintalinho, muito grandes e perfumadas, ladeadas, sem vergonha, de belas couves de pé alto, frescas e verdes pelo mais forte pináculo de sol aberto. Ao canto, as galinhas e os pombos, também elas comuns galinhas e também eles comuns pombos, dignas aves de um qualquer galinheiro, ainda que de um qualquer galinheiro do mais sumptuoso palácio encantado da fantasia, merecedor do também mais oriental sonho de Antero. A ter em conta, que se note. São isto princípios e que nos ficam por debaixo da pele. São valores impreteríveis, impermutáveis.

A minha avó Amarilde. O meu avô José Maria. Determinados, ainda que periclitantes. Gigantes, apesar de pequenos. Resilientes, na palavra da moda. Dos que souberam atravessar Salazarismos como se de uma cruzada em deserto africano se tratasse, dos mais inseguros e dos mais perigosos de todos os desertos africanos inseguros e perigosos. A sua lança em África. Nada pela força da natureza. Tudo pela natureza dos homens.

Para trás ainda das tais traseiras do mais belo jardim Majorelle do mundo, incontornavelmente pequeno e irremediavelmente velho, um portão, que aberto, nos abriria igualmente a alma ao pomar mais interior de todos os portões pequenos e velhos da vizinhança. Do quintalinho à cozinha, para interior da casa, de caras com o revolucionário Vasco Gonçalves, General postado em generosas dimensões de poster, num muito pouco pretensioso contraste a preto e branco. O aroma à fruta alastrava, porém nada como aquela deliciosa compota de tomate devorada às colherzinhas de chá, vezes e vezes sem conta, duma tal taça de vidro que desconfio ter sido sempre e exatamente a mesma. São memórias a cores que, no lugar de, lentamente, se esbaterem no tempo, se têm intensificado de clarividência. Percebido hoje, afinal, o que muito do essencial, naturalmente, me foi escapando da perceção pela fugaz e confusa década que me cabia de vida.

Caríssimo senhor deputado: entende agora porquê? Devemos então mesmo todos aplaudir os já habituais discursos ultrapartidários proferidos por um Governo Regional que os vai fazendo ecoar pelos mais elevados, solenes e honrosos momentos da nossa Região Autónoma dos Açores?