Opinião

A trapalhada do regime das listas independentes

No final de julho de 2020, quando já corria o pano para o termo de mais uma sessão legislativa, foi aprovada na Assembleia da República um Projeto de Lei, da autoria do PSD, que materializou a 9.ª alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição para os órgãos das autarquias locais. Esta iniciativa, publicada sob a forma de Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, foi aprovada com os votos a favor do PS e PSD; a abstenção do PCP e PEV e os votos contra do BE, CDS-PP, PAN, IL, Chega e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira. Esta iniciativa, ainda que introduzisse outras alterações, foi desde sempre vista como um “ataque” aos movimentos independentes que se apresentam às eleições autárquicas. A Associação Nacional dos Movimentos Independentes veio rapidamente a terreiro criticar fortemente as alterações e, inclusivamente, apelar à Procuradoria-Geral da República para suscitar a fiscalização da constitucionalidade do diploma. Ainda que a reivindicação não tenha sido acolhida, o que é certo é que ficaram sempre no ar muitas dúvidas quanto à pertinência, oportunidade e justiça das alterações introduzidas. E que alterações foram essas? Em traços gerais, a Lei passou a exigir mais assinaturas para a constituição dos movimentos independentes (3% dos eleitores inscritos no respetivo recenseamento eleitoral); obrigação de serem constituídos movimentos diferentes para a eleição nas juntas de freguesia; impossibilidade do mesmo movimento concorrer às câmaras e juntas de freguesia; proibição dos movimentos independentes usarem as palavras “partido” ou “coligação”; e exigência do reconhecimento notarial de assinaturas. Perante este quadro de alterações, julgo que não restarão muitas dúvidas quanto ao objetivo que esteve na base da “nova” lei autárquica. Infelizmente, o que se pretendeu, sem quaisquer rodeios, foi criar entraves aos ditos movimentos independentes (grupos de cidadãos eleitores) no que respeita à sua legítima participação na vida política ativa. Importa ter presente que em 2017, nas últimas eleições autárquicas, foram eleitos 420 autarcas como independentes: 403 presidentes de junta e 17 presidentes de câmara. Estes números, que se perspetivavam vir a crescer no próximo ato eleitoral, não se combatem por via administrativa ou legal. O independente Rui Moreira, de quem Rui Rio passou de apoiante a inimigo político n.º 1, não se combate através de preceitos legais, mas sim de projetos políticos e de candidatos a quem o eleitorado reconheça credibilidade e competência. Não sei se Rui Rio já está convencido disso, mas o PS já percebeu o tiro no pé da democracia dado no verão passado. E, nesse sentido, saúdo o facto da Líder Parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, não só ter assumido recentemente o erro que o partido cometeu ao aprovar “à pressa” uma lei importante, como, principalmente, já ter anunciado que irá apresentar “uma alteração para corrigir uma situação que é penalizadora da vida democrática”. Que esta “emenda” veja rapidamente a luz do dia e, acima de tudo, que nas próximas eleições autárquicas os eleitores tenham à sua disposição o maior número de sempre de movimentos independentes nos boletins de voto. Essa será a melhor resposta a quem, nos dias de hoje, ainda acha que os partidos políticos deviam ter a exclusividade da participação na vida política.