Opinião

Porque vamos ter uma espécie de Cautelar

O Governo prepara-se para anunciar com pompa e circunstância, no verão deste ano, o fim do programa da troika em Portugal. Como se de um momento do tipo 1640 se tratasse, Passos Coelho e Paulo Portas irão clamar o fim da ocupação estrangeira do país e declarar vitória pelo sucesso do programa de ajustamento. Mas que país nos deixa o PSD e o CDS, três anos depois da aplicação voluntária de um programa muito mais cruel do que aquele que foi originalmente assinado pelos três partidos políticos portugueses? Desde o início da crise económica, o PIB real (a riqueza gerada no país) diminuiu 7,1%, a procura interna decresceu 16%, a taxa de desemprego subiu 8,9 pontos percentuais e só no último ano, saíram do país à procura de emprego mais de 100 000 pessoas. O Governo exibe com orgulho algumas estatísticas como se fossem vitórias, nomeadamente, que os cortes na despesa permanentes, mais de 80%, 3,2 mil milhões de euros, são relativos, 1,3 mil milhões de euros, à redução de remunerações dos seus funcionários, 0,9 mil milhões de euros, em cortes na Segurança Social e, mil milhões de euros, na redução das funções do Estado, nomeadamente, diminuição do serviço prestado pelo Serviço Nacional de Saúde. É curioso verificar que o celebre corte nas “gorduras” prometido pelo Governo da República, ou seja, nos consumos intermédios do Estado, neste últimos três anos, significou apenas 129 milhões de euros, cerca de 4% do total de redução da despesa. Nestes últimos três anos de ajustamento, para além do brutal aumento de impostos que todos conhecemos bem na “pele”, verificamos que todos os cortes na despesa não foram feitos na ótica da boa gestão, da maximização dos recursos existentes, no fim dos atos inúteis, mas sim à custa das pessoas, do seu rendimento, da sua qualidade de vida e da hipoteca do seu futuro. Mas findo estes três anos de “ajustamento com sucesso” o que acontecerá ao país? Acabará a austeridade? Terá o Estado Português capacidade para financiar os seus défices crónicos e a dívida pública? A dívida pública portuguesa continua a bater recordes de subida, significando, hoje, 129,5 % do PIB, apesar de um ganho cambial de mil milhões de euros no empréstimo da troika, valor muito superior ao verificado em 2011, com cerca de 107,2% do PIB. O Estado português sem troika, precisa de empréstimos de 7,1 mil milhões de euros em 2014, 16,3 mil milhões em 2015, 14,8 mil milhões em 2016 e 13,8 mil milhões em 2017, sendo praticamente impossível e incomportável obter estes valores sem um qualquer tipo de assistência financeira dos nossos parceiros comunitários. Com estas necessidades de financiamento, com a economia portuguesa praticamente destruída, com a continuação das políticas de austeridade, qualquer discurso de pagamento da dívida é pura retórica e ilusão política. Optando por uma não reestruturação da dívida pública, o objetivo do país deve estar orientado para a redução progressiva dos défices estruturais da economia portuguesa e para uma boa gestão da dívida pública, ou seja, a redução do seu custo anual em juros para o Orçamento de Estado. Para isso, o Estado tem de conseguir ir aos mercados refinanciar-se e financiar-se a um baixo custo, pelo menos a um valor semelhante aos juros oferecidos pelo atual programa de ajustamento, o que não tem acontecido. Assim, a necessidade de um auxílio direto ou indireto dos nossos parceiros será fundamental para o acesso ao financiamento dos mercados a um preço razoável. Seja através de um dito programa cautelar, ou de uma espécie de “livre acesso” aos mercados, assegurado no mercado secundário pelo Banco Central Europeu, na prática, o que importa é termos um “seguro” de risco financeiro da dívida. Importa também salientar que o modo de acesso aos mercados está muito mais dependente dos nossos parceiros comunitários e da gestão que farão das suas opiniões públicas para assegurar o financiamento dos países do sul da Europa, do que de nós próprios. Uma saída à irlandesa não é mais do que já foi referido, uma espécie de programa Cautelar disfarçado de independência financeira. Por incrível que possa parecer a existência destas soluções cautelares da União Europeia são um bom sinal. Um sinal de que projeto europeu ainda mexe, que independentemente da forma “publicada” ou “anunciada” não está disposto a deixar nenhum país sozinho no meio desta crise e a solução está na solidariedade. Enfim, a base do projeto europeu.