Opinião

O que está em causa

Para um observador mais distraído pode causar alguma estranheza o recente alarido, pela parte dos partidos políticos e dos média, por causa da inédita decisão do Senhor Representante da República de enviar para o Tribunal Constitucional o Orçamento da Região de 2014. Afinal, aparentemente, o Sr. Embaixador apenas exercia uma competência legítima, prevista na Constituição, sobre uma norma, para alguns de justiça duvidosa, que tem impactos financeiros de menos de 1% no Orçamento da Região. Alguns comentadores políticos mais estudiosos, concordando com alguns dos argumentos aduzidos pelo Sr. Embaixador, salientavam que a medida era infeliz e que o Governo dos Açores estava a contrariar as políticas nacionais violando, inclusive, contratos estabelecidos com o Governo da República. Outros comentadores, como costumeiramente fazem, preferiram falar de algo completamente diferente e referir as responsabilidades dos partidos açorianos na existência do próprio cargo de Representante da República. Mas houve algo que nunca bateu certo nestes raciocínios de caracter político: o facto de todas as forças políticas com representação parlamentar e autonomistas convictos, com orientações ideológicas totalmente díspares, terem unanimemente, manifestado a sua oposição à posição do Representante da República. Curiosamente, algumas personalidades e partidos que não concordaram com as alterações à Remuneração Complementar Regional também manifestaram o seu desagrado perante a atitude do Sr. Embaixador. Para quem se interrogou sobre a razão deste unanimismo, a resposta é muito simples: o Sr. Embaixador com a sua decisão põe em causa a Autonomia dos Açores! E para esta discussão de pouco interessa a avaliação política da norma em causa, nem esclarecer que esta não aumenta a despesa com pessoal, nem explicar que nenhum funcionário público vai ter aumentos de ordenado ou que esta classe nos Açores é a única no país que vai ter uma dupla austeridade, em virtude dos cortes salariais e do aumento de impostos na Região. O que está em causa não é saber se a Região aprovou uma norma que revela uma opção política, obviamente sujeita a uma avaliação por parte dos eleitores açorianos e do Sr. Embaixador no âmbito do seu poder de veto político. Não! O que está em causa é saber se a Região tem ou não competência (Autonomia) para tomar esta decisão. Daí a gravidade da atitude do Sr. Embaixador, porque faz um julgamento político de uma norma e concretiza-o, não neste âmbito, no seu direito de veto, mas sim no envio desta para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Mais! Esta decisão do Sr. Embaixador, concretizada em 26 infelizes páginas de exposição ao Tribunal Constitucional, revela a interpretação de que o âmbito da nossa Autonomia está limitada às orientações de caracter político/ideológicas prosseguidas por um qualquer Governo do país e não, como é certo, regulada pelas leis que estabelecem essa mesma Autonomia: a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o Estatuto Político Administrativo e a Constituição da República Portuguesa. Não interessa para o Sr. Embaixador, se cumprimos os objetivos e os parâmetros estabelecidos nestas “Leis”, mas sim os meios que utilizamos para os atingir. O Sr. Embaixador pretende, na prática, que o Tribunal Constitucional avalie a nossa capacidade legítima, de enquanto Açorianos, com órgãos de Governo Próprio, podermos fazer diferente. E na decisão do Tribunal Constitucional poderá estar mesmo em causa esta capacidade, ou seja, a nossa própria Autonomia!