Opinião

Renegociar para mudar de caminho

Já é do senso comum dizer e ouvir dizer que este “modelo de austeridade não funciona, e que gera mais pobreza e mais desemprego”. Não há dia em que não lembremos ou não nos lembrem que as metas orçamentais falharam, que as falências aumentaram, que o crédito malparado aumentou para níveis históricos e que o desemprego progride a um nível insustentável em termos económicos e sociais a curto prazo. Até as exportações, no último indicador conhecido, regrediram, pela primeira vez nos últimos anos. O único elogio que nos é feito á agora da “paciência” do povo português, sem paralelo nos países com percursos semelhantes. Na verdade, a mensagem que tem sido sempre transmitida pelos nossos governantes e credores - da Troika, liderada pela Europa “alemã” - é de que não há outro caminho: a austeridade, a diminuição dos salários reais, a diminuição do consumo interno e do acesso a bens e serviços essenciais e a morte das empresas que pedem salvação. Tudo isto, supostamente, para podermos pagar a nossa dívida futura (o empréstimo da Troika serve, sobretudo, para pagar défices orçamentais e não para amortizar dívidas do passado), para aumentar a competitividade das empresas e para evitar importações e melhorar a nossa balança comercial. Foi inclusive anunciado, pelo Ministro das Finanças, com pompa e circunstância, que até ao final do ano Portugal deveria apresentar um “histórico” saldo da balança comercial: positivo, como não acontece há 69 anos. Aparentemente, na nossa atribulação, havia alguma luz, por pouco iluminativa que seja, no meio da obscuridade dos tempos próximos. Não nos “dá pão” mas podia dar alguma razão. Nem isso já é certo que venha a acontecer!… Até o apregoado motor da nossa economia, as exportações, baixaram 6,5% em Setembro, devido aos efeitos negativos do modelo de austeridade na atividade económica na zona euro, que já motivam previsões de recessão económica para 2013 em França, alarmando, uma vez mais, os mercados. Ainda se podia atribuir às greves portuárias esse retrocesso, mas tal não é possível na maior parte pois o comércio intra-comunitário, onde baixam, é, sobretudo, por via terrestre. Em suma, lembro-me sempre da definição de insanidade de Einstein: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” Preferimos ignorar incompreensivelmente o exemplo do efeito do “modelo de austeridade” na situação grega e irlandesa. Preferimos ignorar propositadamente os avisos dos economistas de centro-esquerda europeus e americanos. Preferimos ignorar altivamente os apelos dos “velhos políticos” da construção europeia, como Gonzalez, Kohl, Soares ou Delors. Os nosso governo português, mesmo em presença das provas contrárias, na sua devoção à obediência e à crença de que “os de fora é que nos podem ajudar a por na ordem o país”, segue a receita e policia o seu cumprimento, tal como ela foi concebida pelo FMI para ser aplicada na América Latina, e baixa a cabeça à punição “Merkaliana/calvinista” do norte da Europa a uma suposta irresponsabilidade dos países periféricos do sul. Apesar de começarem a aparecer instituições e pessoas, diretamente ligadas a estas políticas, a fazer “marca a trás”, perante a previsão da catástrofe económica e social nos países intervencionados, o elevado risco de falência de países sistémicos como a Espanha ou a Itália e o abrandamento económico da França e Alemanha, só o governo português apelida de irresponsáveis os que se opõem à senda da austeridade e os que, muito responsavelmente, dizem há muito que é preciso renegociar para mudar de caminho. A Comissão Europeia avisa que a dívida externa portuguesa aumenta e é insustentável e que o país precisa de crescer acima dos 2%. Até o FMI queixa-se de si próprio , da sua incompetência e da sua própria insensibilidade, alertando que austeridade pode tornar-se “socialmente insustentável”. O BCE acena com a compra intensiva de divida pública dos Estados Membros para conter a possibilidade de crise económica. Só o governo português não ouve esses sinais, para não dar razão aos que no país clamam contra o seu conformismo que arrasa pessoas, famílias, economias e empresas, e para continuar embevecido e curvado perante os “seus parceiros”. Mas vai ter que dar razão…para e se não quiser deixar de ser governo.