Opinião

O mau exemplo da Madeira

A recente proposta do PSD/Madeira para que as áreas da educação e da saúde passassem para a esfera do Estado revela pontos de vista políticos muito distintos nas duas regiões autónomas. O conhecimento da história talvez nos ajude a perceber o comportamento, mas nada o justifica. Quando se compara o passado histórico das lutas pela implantação de uma autonomia regional nos arquipélagos atlânticos portugueses, constata-se facilmente que as convicções madeirenses eram muito mais frouxas do que aquelas que se desenrolaram nos Açores, com destaque para a ilha de São Miguel. A Madeira foi, de certo modo, a reboque dos Açores nas várias etapas do processo. Em 1922/23, José Bruno Carreiro tentou uma aproximação que desse mais força às pretensões insulares, mas o entusiasmo madeirense foi sol de pouca dura. Mesmo no período que se seguiu ao 25 de Abril, o motor da dinâmica autonomista centrou-se nos Açores, onde a produção ideológica foi mais consistente. Logicamente que o contexto das lutas autonomistas no regime democrático foi diferente. Os objetivos eram mais avançados, muito mais democráticos e progressistas. Por isso, foi possível dar um passo em frente, saltando do slogan da Livre Administração dos Açores pelos Açorianos para o do Livre Governo dos Açores pelos Açorianos, que já havia siso ensaiado nos anos 20. O reavivar da memória serviu como fôlego para enfrentar as adversidades. Este lastro cultural, esta memória histórica foi-se enraizando e os açorianos absorveram o princípio de que a autonomia não é apenas uma conta de merceeiro. Para além do deve e do haver, há o poder de decidir sobre o próprio destino, seja em momentos de abundância ou de penúria. Quando se folheia a imprensa do passado, fica claro que o cerne da questão reside na vontade de os açorianos serem senhores das suas decisões, de serem eles a definir o modo de aplicação das verbas contempladas nos orçamentos. Foi esse o espírito que prevaleceu e foi essa a conquista alcançada com muito suor e, provavelmente, algumas lágrimas. Desbaratar esse capital acumulado significa abrir mão da filosofia subjacente ao pensamento autonómico mais progressista, significa escancarar as portas aos defensores do centralismo. A atitude dos social-democratas madeirenses é bem reveladora da falta de convicções autonomistas, mas enquadra-se perfeitamente no pensamento de um sector do mesmo partido que, a nível nacional, não nutre qualquer simpatia por ideais autonomistas. Bem sabemos que o caos a que chegou a Região Autónoma da Madeira exige que seja repensada a partilha de responsabilidades financeiras, mas esta proposta do PSD só vem dar razão àqueles que sempre viram na autonomia uma feição oportunista. A ligeireza com que o deputado Guilherme Silva pretende passar a área da educação e da saúde para o Estado é bem reveladora do desnorte que grassa nas fileiras social democratas madeirenses. Só um ingénuo acredita que o Estado financiaria a educação e a saúde, sem interferir na gestão das mesmas. É preciso não esquecer a afirmação do ministro Miguel Relvas de que quem paga é que manda. Esperemos que a doença não seja contagiosa. No momento em que escrevo, não é conhecida qualquer posição da líder do PSD/Açores, mas o presidente do governo regional, Carlos César, já manifestou a sua discordância, mesmo não conhecendo na íntegra a versão dos madeirenses. A posição de Carlos César encarna esse espírito autonomista, herdado das lutas que se forjaram no passado, da filosofia e da prática subjacente ao próprio Partido Socialista. Esperemos que da parte do PSD/Açores haja a mesma clareza.